20 de setembro de 2005

Ele e o Outro

Muitos tem me questionado a respeito do texto abaixo. Inquirem quem poderia ser o tal do "Ele" e também quem seria o "Outro". Alguns ameaçam prognósticos e arriscam alguns nomes. Na realidade, ao escrever este texto, tinha em mente os séculos de intolerância e ódio que promovem a separação de dois povos irmãos, de ancestrais comuns e que nem ao menos imaginam a origem da presente discórdia. Mas preferi omitir nomes e patronímicos, para que estas palavras se encaixem na vida de cada um de nós, sempre afeitos à acepções e condenações. De alguma forma nós mesmos somos, por algum tempo ou toda nossa vida, "Ele", ou o "Outro".


Ele não sabe como começou. Nem quando. Ou quem começou. Mas com certeza foi o Outro.

Mas as coisas eram assim desde que nasceu. Vinha de seus pais. Não, de seus avós. Na realidade, dos avós de seus avós. E de antepassados atrás.

Ele não acredita que poderia ter sido assim, mas há quem fale (que blasfêmia!) que Ele e o Outro tiveram, num remotíssimo passado, um parente comum. Uma semente única. Uma mesmíssima origem. “Como?” pensava Ele. “O Outro, um parente longínquo? Minha carne? Meu sangue?”. Ele recusava-se a assimilar. E o Outro também.

Num fatídico momento da história então, como dizem, tudo começou. Não um antepassado d´Ele, mas do Outro, seria o culpado. A partir daí, Ele não sabe como, não sabe quando, o Outro, e não Ele, passou a desmerecer todo o crédito, toda a confiança. Não merecia proximidade, nem vínculo, nem misericórdia, nem valor. Muito menos teriam ambos, uma terra em comum.

O certo é que não importa que tivessem a mesma origem, não teriam o mesmo fim. Aliás o Outro deveria, urgentemente encontrar este fim. Não importava como. Nem quando. Nem através de quem. Mas com certeza o Outro haveria de pagar. E deixar de existir.

Ele sabia que não tinha mais forças. Sua idade avançada lutava contra o vigor de sua alma. Mas haveria de ser vingado através de seus filhos, ou netos, ou bisnetos, ou pela próxima geração. Mas um abençoado dia, Ele não sabe como, não sabe quando, o Outro sorveria tudo o que merecia por estes séculos e séculos em que o Outro, não Ele, trouxe todo pesar, amargura, dificuldade e miséria por que passou Ele, não o Outro.

Ele veria, ainda que no fim de sua vida, a justa paga sobre o Outro. Por toda sua infância, meninice, mocidade e vida adulta aguardou este momento, que cria com todas as suas forças, chegaria em breve, não importava como, não importava quando. Nutria cada célula e fibra com esta esperança.

Mas um dia, um fatídico outro dia, Ele, e não o Outro encontrou o final de sua existência. Logo após, o Outro, não Ele também se foi.

Ambos, não se sabe como, não se sabe quando, não se sabe onde, voltaram ao pó, em que ambos pisaram, por toda a infância, meninice, mocidade, vida adulta e por fim, velhice. Pó que guardavam seus pais. E seus avós. Na realidade, os avós de seus avós. E os antepassados atrás.

Aí então naquele fatídico dia, uma vez mais, Ele e o Outro estavam juntos. Ambos numa terra em comum. Tinham agora, Ele e o outro, não só a mesma origem, mas o mesmo fim.

Não se sabe como, não se sabe quando, não se sabe onde, Ele e o Outro eram, por fim, um.

19 de setembro de 2005

I am Sam, Sam I am... who am I?

A midia alardeia constantemente os mandos e desmando da nação que julga-se ser a maior e mais potente do mundo, com seu mandatário arvorando-se juiz e legislador do planeta. Mete-se nas quetões alheias e interfere em outros países, tal como um deus dos povos. Mas a verdadeira impotência aparece quando o assunto é interno e repentino, como os desastre naturais que abatem o orgulho e o povo do Norte.

Tio Sam tinha memória límpida e ultra-rápida. De mente afiada e brilhante, arquitetava planos e urdia ações que embeveciam e surpreendiam a todos.

Competente e pioneiro, era sempre o primeiro entre muitos, postando-se como defensor num momento, interpondo-se em questões domésticas e de interesses alheios, elegendo-se como juiz e executor de leis que decretava. Era, como diria um ministro tupiniquim, indesafiável.

Sam, o Tio Xerife, não levava desaforo para casa até que surpreendia a todos com suas intervenções relâmpago, flamejando ira e justiça nos quintais vizinhos.

Mas agora parece que Tio Sam, o Idoso, arqueado ao peso da idade e das responsabilidades que requereu para si não anda muito afiado de sua mente. Alguns disseram tê-lo ouvido questionar sua personalidade. Quem antes afirmava com dura firmeza: “I´m Sam” (Eu sou Sam), agora balbucia entre os dentes que ainda não ousaram deixá-lo: “Who am I? (Quem sou eu?).

É agonizante. Os ferinos e ácidos trovejam que o estado caquético de Sam, o Tio Inépto, declinou quando se viu e mostrou-se impotente em resolver e reorganizar as questões de seu quintal adentro.

As coisas ficaram incontroláveis quando a derrocada final veio na forma de um cataclisma metereológico. Ventos e chuvas violentas ameaçaram os limites sob responsabilidade de Sam, O Tio Aterrorizado, antes destemido.

Foi o caos. Sua casa parcialmente destruída não abrigava toda a família. Os mais velhos foram postos pra fora e dormiam ao relento. As crianças urravam como uma matilha faminta e algumas foram levadas por sujeitos e intenções impublicáveis. Havia lixo e excreções por toda parte, brigas e desavenças. Os vizinhos assistiam a tudo, pasmos. Não era mais a casa de Sam, o Tio Ordeiro.

Brigas e revoltas de seus próprios filhos, uns contra os outros, as magras finanças que teimam em depor contra aquele que sempre pensou ser o banco e gerente do mundo, recursos que não chegam para socorrer seus próprios parentes, já queixosos e amargos, e outras ingerências acabaram por eclipsar a imagem polida e luzente de Sam, o Tio Inativo. “Faça algo, Tio Sam!” ousavam atônitos sobrinhos.

Sam, o Tio Hipermétrope, não enxergava a um palmo de seu nariz altivo. Os mais detalhistas e técnicos diagnosticavam presbiopia, adicionando a idade avançada às razões da visão falha. Definitivamente quem tinha os olhos sobre o mundo, agora não alcança nem a própria calçada. E os velhos morreram por mais uma madrugada de frio.

Reunindo a família no resto de um sofá rasgado e borolento, estacionado na grama encharcada do quintal, depois que as águas pútridas baixaram, Sam, o Tio Show, encena um emocionante discurso, baixando as fartas sobrancelhas grisalhas.

Uma lágrima lavou o rosto imundo da tia mais idosa, quando Sam, o Farsante, bradou, provocando risos de alguns vizinhos. Reunindo suas forças, levantando os braços fétidos ao ar, vociferou: “Nossa casa e nossa família ressurgirão das ruínas”.

Aproveitando um arco-íris despontando timidamente sobre o telhado destrambelhado, Sam, o Tio Profeta vociferou: "Coisas maravilhosas são possíveis quando atuamos com a graça de Deus". O sofá ruiu.

16 de setembro de 2005

Mãe, Esperança


Dc. Marcos Morgado
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Sorrir, ao olhar de longe sua semente crescer
Ao lembrar quanto teve de suportar e sofrer
Que esperar, que temer, e quanto aguardar
Para ver sua flor desabrochar
Sua folha nascer

Chorar, ao sentir a tristeza de um filho a adoecer
Sua semente minguar, a retroceder
Seu caule a franzir, seu corpo a tremer
Ver sua flor a murchar
Sua folha pender

Clamar, quando a chuva não rega a semente a secar
Quando o sol doura a pele do filho a arder
Quando a esperança é clamar, interceder
Tendo a flor a cuidar
Sua folha envolver

Confiar, que Deus guarda a semente
até que venha a brotar
Que Aquele que planta é o que faz crescer
E o que sempre sustenta é o que faz germinar
Faz a flor vicejar
E a folha enverdecer

A flor é teu filho
A folha, criança
Deus lhe dá o brilho
E floresce a esperança.

Mãe, Deus a abençoe
Lhe dê gratidão nos momentos alegres
Esperança e arrimo nos instantes difíceis
E sempre, sempre, tenhais esperança
E confiança em Deus, nosso Senhor.

Publicado no jornal Kerigma, da Missão
Batista Nova Peniel, em Maio de 1998

Começando do começo,né?

Para inaugurar nosso Blitz no Blog, ressuscitei uma poesia do final dos anos 80, que enfoca a omniscopia de Deus e a microscopia do homem. Abra teus olhos e leia!
Teus olhos

Dc. Marcos Morgado
E-mail

    Onde quer que você vá,
    Em qualquer tempo,
    Há dois olhos sobre você.
    Na madrugada, imerso no sono,
    Quarto em trevas, dissipa a bruma,
    Te olham, te vêem.

    Ao acordar, novo dia:
    Eis os dois olhos sobre você.
    Cada passo, dobrar a esquina,
    Subir a calçada: eles te vêem.

    Te enxergam nos empreendimentos,
    No lento andar da fila do caixa.
    Na impaciência, na calma, no falar,
    Na compra, no banho, na dúvida, no medo.

    Contemplam em teu rosto a lágrima.
    Vislumbram no íntimo o ódio.
    Vêem tua farsa, teu inescrupuloso olhar
    Cuspindo fagulhas à quem passar.

    Ao prato observa o teu comer apressado,
    Tua falta de tempo gerando ingratidão.
    Vêem tua dor, teu asco, marasmo, ironia,
    Tua fé, tua palavra dura, língua ferina.

    Ao subir no ônibus, perigo iminente,
    Sobre ti, inocente, dois olhos estão.
    Nas tuas ofertas, nas tuas mãos abertas,
    Liberalidade, no partir do pão.

    Ao sentar num banco, ao entrar na igreja,
    No momento em que oras, te deitam a visão.
    E, ao findar o dia, tristeza ou alegria
    Estes olhos enxergam em teu coração.

    E os teus olhos, a estes olhos não levantas?
    Não contemplas quem te olha e te dá a mão?
    Te enxerga quem é invisível.
    Te esquadrinha, te mira, te vê.
    Pois, onde quer que estejas,
    Em qualquer tempo,
    Há dois Santos Olhos sobre você.

Publicado no jornal Agape,
da IgrejaBatista Nova Peniel, em 25/07/89