30 de junho de 2006

Hoje pararam o tempo

Marcos Morgado 30/06/06 (escrito após 3 meses)

Hoje pararam o tempo. Não imagino quem, mas premiram o cromômero entre dois átimos do tempo, a dividir passado, presente e futuro. Congelaram a passagem dos segundos, minutos, horas, dias, semanas, meses e anos. E os séculos por vir. Pois pararam o tempo e corremos o perigo de não mais sermos.

Pode-se imaginar quanta coisa fica no ar, na retenção do tempo? Quantos planos, sonhos, obras, realizações? A comida por fazer, descanso a desfrutar. Os olhos que não se abriram anoitecem o próprio dia. O abraço não alcança o corpo carente e grato. Uma jura de amor não chega ao fim. E uma multiplicidade de relacionamentos fragmentados no tempo. Não se concluem negócios, nem se efetivam amizades.

Este sangue coagula-se, esta lágrima cristaliza-se. O suor detem-se nesta testa gélida que se queda úmida e o mesmo pó retem-se naquele pé sulcado assim como a velha mancha no vestido roto. O paletó curtido ancora o cravo que não fenecerá.

Partos que não chegam ao fim impedem novas vidas de experimentarem a dor e o prazer de virem ao mundo. Fica o filho entre feto e infante, entre o útero que o protegeu e o colo que o acolherá. A maçã aguarda suspensa diante da mordida. Os punhados de arroz teimam em não chover sobre o recém-casal paralisado. O flash jorra constante luz sobre a pupila que dilatada estagna. A foto retrata o mundo inteiro, a entrar pela objetiva. Teima o obturador em sugar as cores, formas, luzes, qual um eterno buraco negro.

Instrumentos grafam silêncio e espera na pauta outrora encharcada de música. Cessa-se o som no vácuo da ausência do tempo. A fila pára de vez. O mar não lança suas ondas. O vento impele sua ausência. As folhas reúnem-se num móbile multicor, pendidas por fios imaginários. Se nega a queda ao suicida, o recorde ao fundista, a notícia a quem em angústia a aguarda. Passageiros aguardam pacientemente o trem que não chegará. Sua malas não se desfarão nem seus braços receberão boas vindas.

Porque o tempo parou. E parado o tempo, destrói-se o conceito de tempo, fluxível, cíclico e corredio. Se o tempo pára, desfaz-se o tempo. E nada pode prosseguir sem seus efeitos. Ou seu assentimento. Pára-se as rugas, cancela-se a dor, evita-se a queda. Os cabelos adormecem entre o ébano e a platina. Suspende-se a respiração e os batimentos cardíacos. Não se nasce, nem se pode morrer. E a coroa de flores pende imóvel sobre a lápide.

Não há fluxo de carros sobre o asfalto, nem a intromissão deles na calçada. Os sinais colorem a cidade em três cores incombináveis e detêm sua marcha: não impedem nem livram no antes caótico trânsito agora inerte. O veículo engessa entre o freio e a colisão. O tempo o mantém entre a freada e a aceleração, momento limítrofe entre a segurança dos precavidos e a pressa dos incautos.

O trânsito pára, num momento inédito em que as vorazes máquinas da velocidade dão lugar e oportunidade aos lentos pedestres. Mas também eles não prosseguem, não cruzam as avenidas. Pois também o tempo os mantém suspensos. Imóveis como peças de xadrez, em seus passos imprevisíveis.

Concretou-se o tempo entre a pá e o pó, entre a foice e a espiga. Ente o garfo e a boca que faminta o espera. Entre o gatilho e o projétil, que na ausência do tempo poupa mais uma vítima. Entre o punho e a face, mais lenta que ódio agressor. Entre o grito e o trauma. A face e o afago. A língua e a afronta. Entre o perigo e o alarme. Na pluralidade dos fragmentos da granada que explodiu. Num dia ímpar o mundo não sorveu sua guerra.

A bola estanca imóvel, no caminho entre a explosão de alegria do artilheiro e a expressão de agonia do goleiro, antes de atingir a meta. É ali, no ponto em que estagna, que decide a quem vai entregar a vitória e a derrota. Porque o tempo parou, e não se sabe quem é vitorioso ou vencido.

Imprecisão no martelo do juiz: não se dá a absolvição nem se envia à cela. Não se pune o réu, não se efetiva o contrato. O casal se une na ponta dos dedos que não se afastarão num eterno adeus. O fio dágua ainda suspenso não atinge o palato seco. Nem a chuva percurte o telhado de zinco. E um bisturi repousa sobre a carne dura, a seccionar, incômodo, a mera chance em duas: Ou se nos causa o óbito, ou se nos traz a cura.

Pára o tempo e fica um beijo congelado, quer de boas vindas, quer de despedida. Ou de traição. Estanca os abraços fraternais e paralisa os cumprimentos dissimulados. Porque se foi parar o tempo? De quem é o engenho? Premiram o tempo, e o intangível se desfez.

Quem não desejaria que o mantivessem assim? Mais uma vez premiram o cronômetro. E libertaram o tempo. Desta vez, ninguém detém a sua marcha.

1 de junho de 2006

Sugestões para boas férias

Marcos Morgado 01/06/06

Pise na grama. Sem aditivos. Pés que voltam ao pó, ainda vivos, ganham vida.

Pegue chuva. Pelo menos uma só vez. E dance. Se possível acompanhado.

Respire fundo diante de uma janela, numa viagem, ao acordar, ou diante daquela pessoa que sempre te deveria fazer suspirar.

Passe uns instantes em completo silêncio. Ou na escuridão. Deixe seus pensamentos ganharem vida. Converse com você. Converse com Deus. O silêncio vai te dizer que o coração ainda bate, a respiração não lhe foi tirada, a pulsação tem seu som e ritmo próprio. E que Deus tem voz. E que bela voz!

Deite no chão até que uma criança te enxergue do tamanho dela. Passe toda a eternidade com ela, como se demorasse alguns minutos. Não se esqueça dos abraços. Um abraço vale mais que dois bilhões de palavras.

Encoste o nariz no nariz da pessoa amada. Brinque de coruja com ela. Façam silêncio! Precisam urgentemente ouvir o respirar um do outro. Acabe o insólito encontro com o mais calmo e silencioso sorriso.

Não se esqueça de roubar flores. Roubar sem pecar. Não imaginas como se realiza aquele que sabe que uma surpresa valeu o mundo inteiro.

Escreva, rabisque, desenhe, cante.

Acorde cedo, acorde tarde. Durma cedo, durma tarde. Permita-se dormir no sofá, dormir na cadeira de praia. Dormir ao ler um livro. Dormir após momentos de amor.

Caso te seja possível, quando for a hora, grite. Guturalmente. Um animal sairá de você. Não imaginas como ficarás mais leve.

No mínimo, pelo menos um dia, derrame lágrimas.