27 de outubro de 2005

Nhô Chico e a estrada maravilhosa de meu Deus

Há um Nhô Chico à beira de cada estrada de nosso brazilsão. E um homem que inaugura coisas que são as mais importantes na vida dos chicos. Mais ainda que suas própria vidas.

Marcos Morgado 21/10/05

Cismavam chamá-lo Nhô Chico. Levantava a sobrancelha fechada como o capinzal, num ato de surpresa e humildade. Dizia: "Nhô, não. Só Chico. Quem sou eu pra ser Nhô." Mas era como uns poucos o conheciam. O maior orgulho de Nhô Chico era morar a umas centenas de metros da estrada. Aquela estrada era seu patrimônio. E sua vida. Era uma estrada maravilhosa de meu Deus.

Por ela já viu passar gente, passar bicho, passar boiada. Charrete, cavalo e cavaleiro, ônibus e cada carro mais bonito que o outro. “-Nunca vou andar nessa tranqueira, não sinhô.” Imaginava, sem vislumbrar o futuro.

Naquela estrada maravilhosa de meu Deus riscam velozes casais, em busca de se juntar, outros a ponto de se separar. Por ali passam quem nem sabe quem é Nhô Chico. Famílias que riem, famílias que brincam, famílias que brigam. Carros velozes, carros sonolentos, uns velhos demais, outros tinindo de novo. Tudo era novidade para Nhô Chico. E sua maior distração.

Viu passar gente beijando, gente dormindo, gente acenando. Gente que pára pra pedir explicação, gente pra comprar comida, gente pra pedir oração, outros que tire os porquinhos daquela estrada maravilhosa de meu Deus.

Já dormiu sobre ela, pés cruzados, mãos por travesseiro, por duas semanas, após a inauguração, a fitar o céu um absurdo de estrelado. Não conseguiu voltar pra casa, enquanto aquela maravilha dormia lá fora, ao sereno. Estrada é coisa séria, ninguém ganha uma de um dia pro outro. Há que se cuidar, que tomar conta. Que espiar, se não levam dali.

Nhô Chico não sabe que o homem que inaugurou aquela estrada tinha mais de 4 sobrenomes, enquanto ele nem nome tinha. Era apenas Nhô Chico. Mas ele sabe que aquele homem só viu uma vez. Na inauguração. Nunca mais.

Por várias vezes Nhô Chico se arrumou todo, com os cabelos engordurados levados para trás, a manchar o já surrado e único paletó. Escondia o furo da botina com a outra botina a pisar-lhe a ponta dos pés, num entrecruzar de pernas magras.

Nhô Chico não era vaidoso. Precisava conhecer o adjetivo para sê-lo. Aguardava por dias seguidos o regresso daquele homem, pra modi poder agradecê-lo por construir ali aquela estrada maravilhosa de meu Deus. Era a vida de Nhô Chico. E seu maior patrimônio.

Olhos perdidos, fitava por vezes o começo e às vezes o fim da estrada. Mas seus olhos só alcançavam o meio, justinho ali onde estava ele e sua casa, pau à pique, bule e caçamba de pegar água da chuva.

A casa precisava mais de coisa nenhuma, não sinhô. Balde pra se aguar, pilão pra malhar trigo, duas dúzias de ovos fresquinhos, botina e paletó. A cama já disse que por duas semanas foi a estrada maravilhosa de meu Deus. Depois voltou a ser a mesa. Onde se dorme é onde se come, uai, precisa mais não.

Foi ali onde Nhô Chico dormiu pela última vez. Queria mesmo era ter sido na estrada maravilhosa de meu Deus. Ali sim é lugar bom pra se fechar os olhos e não abrir mais nunca. Mas foi na mesa onde colocaram Nhô Chico, ao lado da única vela que alumiava sua última noite.

Uns poucos que o conheciam proporcionaram sua única e última viagem, singrando feliz por aquela estrada maravilhosa de meu Deus, que era a vida de Nhô Chico. E seu maior patrimônio.

Foi por ela, onde Nhô Chico espiava passar gente, passar bicho, passar boiada, que ele finalmente cruzou até a vista perder, não se sabe se pro começo ou se pro fim, porque Nhô Chico só conhecia o meio, onde ficava a casa, pau à pique, bule e caçamba, balde e ovos fresquinhos, botina e a mesa por cama.

Ali onde ficou pendurado até hoje aquele já surrado e único paletó.

1 Comments:

At domingo, novembro 01, 2009 1:15:00 PM, Anonymous cabral.colchoes@hotmail.com said...

Por favor nho chico poeta abençoado procuro um poema rimado que fala de tudo que existe na TERRA enfim de todas as maravilhas que DEUS criou obrigado...

 

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