Nhô Chico e a estrada maravilhosa de meu Deus
Marcos Morgado 21/10/05
Cismavam chamá-lo Nhô Chico. Levantava a sobrancelha fechada como o capinzal, num ato de surpresa e humildade. Dizia: "Nhô, não. Só Chico. Quem sou eu pra ser Nhô." Mas era como uns poucos o conheciam. O maior orgulho de Nhô Chico era morar a umas centenas de metros da estrada. Aquela estrada era seu patrimônio. E sua vida. Era uma estrada maravilhosa de meu Deus.
Por ela já viu passar gente, passar bicho, passar boiada. Charrete, cavalo e cavaleiro, ônibus e cada carro mais bonito que o outro. “-Nunca vou andar nessa tranqueira, não sinhô.” Imaginava, sem vislumbrar o futuro.
Já dormiu sobre ela, pés cruzados, mãos por travesseiro, por duas semanas, após a inauguração, a fitar o céu um absurdo de estrelado. Não conseguiu voltar pra casa, enquanto aquela maravilha dormia lá fora, ao sereno. Estrada é coisa séria, ninguém ganha uma de um dia pro outro. Há que se cuidar, que tomar conta. Que espiar, se não levam dali.
Nhô Chico não era vaidoso. Precisava conhecer o adjetivo para sê-lo. Aguardava por dias seguidos o regresso daquele homem, pra modi poder agradecê-lo por construir ali aquela estrada maravilhosa de meu Deus. Era a vida de Nhô Chico. E seu maior patrimônio.
Olhos perdidos, fitava por vezes o começo e às vezes o fim da estrada. Mas seus olhos só alcançavam o meio, justinho ali onde estava ele e sua casa, pau à pique, bule e caçamba de pegar água da chuva.
A casa precisava mais de coisa nenhuma, não sinhô. Balde pra se aguar, pilão pra malhar trigo, duas dúzias de ovos fresquinhos, botina e paletó. A cama já disse que por duas semanas foi a estrada maravilhosa de meu Deus. Depois voltou a ser a mesa. Onde se dorme é onde se come, uai, precisa mais não.
Uns poucos que o conheciam proporcionaram sua única e última viagem, singrando feliz por aquela estrada maravilhosa de meu Deus, que era a vida de Nhô Chico. E seu maior patrimônio.
Foi por ela, onde Nhô Chico espiava passar gente, passar bicho, passar boiada, que ele finalmente cruzou até a vista perder, não se sabe se pro começo ou se pro fim, porque Nhô Chico só conhecia o meio, onde ficava a casa, pau à pique, bule e caçamba, balde e ovos fresquinhos, botina e a mesa por cama.
Ali onde ficou pendurado até hoje aquele já surrado e único paletó.
1 Comments:
Por favor nho chico poeta abençoado procuro um poema rimado que fala de tudo que existe na TERRA enfim de todas as maravilhas que DEUS criou obrigado...
Postar um comentário
<< Home